domingo, 27 de novembro de 2016

BAIRRO O BAIRRO Depoimentos: (Eles) O país do nosso mundo, naquela época. Lugar tranquilo, apesar de ser centro da cidade, pouquíssimo trânsito de veículos, pouco movimento de pessoas (boa parte conhecíamos de vista e eram alvo de nossos nefastos comentários, apelidos e toda sorte de gozações). Estávamos perto de tudo e só andávamos a pé (evidentemente por falta de outra opção). Santo André, em relação a hoje, era uma cidade pequena e tinha sua identidade. Sentia-me meio “dono do nosso pedaço”. Quando saía daquela área me sentia em território estranho. A Vilinha (Vila Gabrilli); a casa do Gabrilli; o bar do Noca; as padarias Leão, Ideal e Matinal; os cinemas Carlos Gomes e Tangará; as escolas das Freiras, Estadual, Duque de Caxias, Santo André; o Posto ABC; o Fórum e a Delegacia; a abreugrafia dos Dr’s Gentil e Galvão; a loja de produtos ortopédicos do Vagner; a fábrica do Dal Pino e a fundição Girelli são lugares (a maioria não existe mais) gravados na memória. E a capital do bairro era a nossa esquina. *** Muito tranquilo, sem a correria de hoje. Em termos de segurança, os riscos eram tão pequenos que nem se pensava nisso. Ficávamos na rua até altas horas da noite e nunca houve qualquer ocorrência. Qualquer acontecimento mais grave imediatamente virava noticia e era, por muito tempo, alvo de comentários. Era também um ambiente mais saudável. Não havia poluição, a maioria das atividades, físicas ou não, eram ao ar livre. O bairro era centro de Santo André, o que significava o melhor lugar de morar, aliás, era a rua mais bonita da cidade, pelos menos no Centro. As ruas arborizadas, árvores imensas, faziam sombras na parte da tarde. Era residencial, não tinha comércio, o único era o bar. Do fim da rua Campos Salles de lá pra cá, você tinha o bar Cinco Esquina, o bar do Teixeira e ia até a Cel. Oliveira Lima, ou então até enfrente à Mesbla que apareceu tempos depois. Antes da Mesbla quem morava lá era o Marcelo Novita, na frente da casa tinha um jardim, a casa ficava bem em frente da igreja. Não lembro muito bem dessa figura. Não sei se era parente do Celsinho. Do outro lado da rua a casa do seu Chico [juiz de paz]. Atravessando a linha de passagem de trem o bairro Bangu. Vila São Pedro vizinho do Parque das Nações depois da linha. Você atravessava a linha, a gente chamava de morro vermelho. O Pedrão falava assim: - lá do morro vermelho a gente vê o pico, vê o pico do Jaraguá. E nós contestávamos o Pedrão. Juntamos uma turma pegamos um carro subimos no topo da Rua Antonio Cardoso era ali o morro vermelho em um dia legal de sol, o céu estava limpo, dava para avistar o pico. Se você falava que morava no Parque era foda, era tudo tido como...por isso morar no centro tinha uma importância de até certo ponto achar que era melhor que os outros, pra dizer a verdade sem hipocrisia nenhuma achávamos que éramos melhor. A biquinha era um marco da cidade, o seu fim foi outro crime, podiam ter deixado um contorno, era um marco da cidade. Atrás da linha de trem tinha cinco campos de futebol. Antes da linha tinha o Sardinha, jogava bola, passava a linha o trilho de trem. Era lá que tinha todos esses campos. Foi lá que o Carlão, quem foi que sumiu e não viu, tinha o riozinho que circundava o campo,...sumiu dentro do rio. *** . O nosso bairro era ali no centro, nossa Campos Salles... Nós pegamos o bairro, puta vida! Não vamos falar nem do bairro, só ali do cruzamento [ruas: Campos Salles e Cesário Mota], era um lugar no centro da cidade, ainda tranqüilo, só residências. A Rua Campos Salles era uma rua das mais gostosas de se morar em Santo André. Arborizada, com árvores que fechavam o céu. A Rua Cesário Mota não, sempre uma rua acanhada, estreita, o Erio morava na Cesário. A Rua do Dago tinha um inconveniente de descer o ônibus, apesar de ser relativamente larga. Era um cruzamento tranqüilo que permitia a gente jogar bola ali. Ficar batendo bola no cruzamento da esquina. A Campos Salles, muita árvore, larga, com calçadas boas. A casa do Ângelo Gabrilli era um marco, a Vila era um marco. Havia um bar ao lado do cinema, quando você entrava, tinha o balcão do lado esquerdo, e do lado direito, uma estante de vidro onde se guardava chocolate. Nessa estante, nesse armário, balas Sonksen de cevada em uma lata de forma oval, difícil de abrir, as balas eram grudadas umas nas outras. Era uma glória quando se podia ir lá e comprar uma latinha de bala. E no Cantamessa, depois da barbearia, quando ele teve o bar na praça Embaixador Pedro de Toledo, ao lado da Ducal. O Cantamessa tinha uma estante desse tipo..., só que vendia um chocolate quadradinho sem marca, ele era um tipo prestígio. Coco por dentro, coberto por chocolate e pulverizado em cima com um pouco de coco. Isso tudo me leva ao carrinho da Kibom, e ao doce Lingote, o chocolate Lingote, lembra? O chocolate que eu mais gostei. Vendia em cima do carrinho e depois surgiu o Kicoisa e o Kibamba. Que era grudento. Kicoisa, era do tipo de uma maria mole, mas não era tão duro como o Kibamba, grudava nos dentes. Para comemorar o quarto centenário de São Paulo, lançaram um sorvete tipo IV Centenário [cidade de São Paulo-1954], com o desenho do Niemeyer. Bolo e sorvete, que você comia de colherinha dentro do copinho, era vendido pelo sorveteiro da Kibom. A padaria do Seu Joaquim, onde se tinha o melhor doce e sorvete. São coisas que você não sabe se é fantasia ou mito. Mas que sorvete de coco queimado que ele tinha! Vai tomar banho... O Bartolli mudou de lugar, conhecemos três locais do Bartolli. O primeiro na Senador Flaquer do lado direito de quem vai para o largo, ali mesmo outro à esquerda. E outro na General Glicério com a Siqueira Campos. A mãe do Dago pedia muito para fazer compras no Bartolli. *** A biquinha porra. Quando faltava água nós iamos lá buscar. Era assim, brincavamos e iamos tomar água na biquinha. a mina vinha ali da casa do Dr. Goes *** Caixa d’água na vila Gabrilli ...nós subiamos lá em cima... Carlos Gomes, Tangará...Casa do Sergio, casa Tokio, local que a gente ia ver isqueiros. *** A loja ortopédica está lá até hoje... Lembra dos dedos nos vidros do seu Farias? Porra, lembro. Tinha até feto lá. Morro Vermelho, a gente ia lá. Tinha uma puta diferença da linha prá cá. Agente tinha até medo, pois tinha uma turma do Parque [ bairro Parque das Nações], que era fudida. Parque Erasmo Assunção. Ali era a chácara do Erasmo Assunção, onde hoje tem o clube Santo André. Ou cidade não sei o quê , que tem do lado de lá... Dava pra ver da janela de casa. Era um loteamento e tinha uma lagoa negra. Nós íamos nadar. Toda vez que o Pinga ia, com medo de chegar em casa e falar que foi nadar, ele jogava uma cueca fora, nadava de cueca e aí a Dona Morena pensava que a empregada é que estava roubando cuecas. Tinha dez cuecas, depois só tinha uma. *** Adiante desse campinho algo que era a selva Amazônica para nós, virava uma mata no final da rua Luiz Pinto Flaquer, não era nem mais esse nome. Ela mudava de nome, quando passava uma cerca de cimento era um mato, não muito alto, uma vez nos aventuramos (passado mais remoto do que o da foto), descobrimos um cara morto no meio do mato, cheio de bicho. Eu não vi, eu não tava nesse dia, uma parte da turma se aventurou, veio a policia. Itens informativos: Lugar tranquilo perto de tudo andávamos a pé dono do nosso pedaço território estranho. nossa esquina. Segurança ao ar livre bairro era centro melhor lugar de morar Era residencial morava no Parque era foda melhor que os outros Arborizada, com árvores que fechavam o céu linha de passagem de trem uma glória quando se podia ir lá e comprar uma latinha de bala. A padaria do Seu Joaquim tomar água na biquinha ver isqueiros uma lagoa negra Adiante desse campinho algo que era a selva Amazônica para nós (Elas) Eu morava na rua Antonio Cardoso Franco, no fim, da Campos Sales, que era ali de frente pra Travessa Pirituba. Então havia as 5 esquinas e a Pirituba, que dava de frente pra minha casa. O bairro era muito tranqüilo. Olha, a visão que eu tinha da Campos Sales. Eu amava aquela rua, a Campos Sales. Achava uma rua linda, cheia de árvores, tranqüila, tinha umas casas bonitas, na época. Eram simpáticas. Nossa!, Mas eu gostava muito da Campos Sales. Pra mim, aquele pedaço ali era o pedaço mais bonito de Santo André, achava lindo. E minhas amigas moravam ali, a Maria Helena morava ali, a Maria Célia morava ali, tinha uma outra que mudou pra Santos, não sei se você recorda, ela tinha um cabelo curtinho assim? Chamava Marisa, ela morou ali pouco tempo, ela era bem alta, magrinha e ela morou ali acho que uns três anos e, depois ela mudou pra Santos. Aí, eu nunca mais soube dela. Prá mim, eu adorava. Quem morava do outro lado da linha já: “ah, mas fulano mora lá do outro lado da linha!!”. Nossa, tinha, isso era muito acentuado, bem acentuado. Porque, por exemplo, se tinha um carinha que uma das meninas tava interessada, a outra chegava “mas olha, ele mora do outro lado da linha” pronto, você vê, pra não ir longe, até mesmo a Márcia que casou com o Tonico. A gente falava “ah mas ela mora do outro lado da linha”, eu lembro até hoje que a Regina falava assim “ah, mas é logo ali, pertinho, não é lá pra baixo, é logo ali” como quem diz , “ela não é lá daquelas quebradas” entendeu?, mas era um preconceito. *** Eu morava, eu mudei pra cá, foi assim: o meu avô construiu essa casa ai para os meus pais, pois a gente morava no fundo da selaria e lá aconteceu um acidente muito grave com um menino. Então meu avo construiu essa casa para mim. Morei uma boa época nessa casa, só que eu dormia aqui na casa de cima. Tinha uma passagem por trás, e como meu pai não deixava sair muito, eu dormia aqui na casa da minha avó. E saia com o Salim e o Cláudio. Cláudio era meu tio você lembra-se dele? Linha de trem não ia pro lado de lá de jeito nenhum. Aonde eu ia bastante era na Vila Gabrili [vozes altas] ali tinha a Nazareth, tinha a Lenita né? Que eram duas amigonas, ai eu podia ir. *** Prá mim aquele bairro era, e é ainda parte do meu coração. Não era só a casa onde eu morava, era principalmente a Vila, a história da Vila, que meu avô construiu ali e foi crescendo todo mundo. Ali em volta, todo mundo conhecido, amigo. A minha avó tinha as conhecidas: a Dona Dina que cantava ópera; lembra da Dona Dina? (ela dava aula de canto orfeônico) A Dona Dina morava, lembra onde morava o Celsinho? onde depois foi morar a Marlise Jorge. Do lado, tinha a Dona Dina (uma casa cinzenta, no pequeno terraço tinha uma janela em forma de circulo) e eu tinha medo, porque às vezes eu ia prá casa da Marlise e saia da casa dela umas 7h da noite, escuro, e eu tinha que passar em frente à casa da Dona Dina pra ir pra minha casa e ela ficava cantando ópera, dando aqueles agudos (escala musical) dela e eu morria de medo porque ficava tudo escuro. Eu passava correndo por ali, ela era amiga da minha avó, então tinha todo um apego por ali, não era simplesmente morar ali (voz pausada), tinha alguma coisa a mais do que isso...Uma história, principalmente pra mim ali que tinha família, tinha cinema, então tudo girava em torno de nós, da esquina, do barzinho, do baile, da Vila... *** Olha, eu lembro que a gente pegava o trem pra ir pra São Paulo, isso eu lembro, mas eu me lembro pouco da linha de trem, meu deus do céu, lembro muito pouco, que saudade, ainda tem trem aqui? *** A banda de cá, com a banda de lá. A gente sempre falava que Santo André era dividido pra cá da linha e pra lá da linha de trem. Pra lá, o pessoal não era muito bem visto não, até hoje né. Você vai lá no Plaza (Shopping) e fala iii... Lá era feio, o Parque das Nações era feio. Todo mundo falava que lá só tinha mau elemento e roubo. Era tudo pra banda de lá. Até teve uma vez que eu tive um namorado da banda de lá...Falavam pra mim “você é louca, fica com o rapaz da banda de lá, você vai vê qualquer hora”, e tinha esse preconceito mesmo. No salão do cabeleireiro Adolfo, eu ouvia isso. *** Quanta coisa boa. Tinha a igreja do Carmo que a gente sempre ia. Era onde a gente vivia. Eu tenho saudades da Vila Gabrilli e se eu pudesse voltar prá lá, eu voltaria. Hoje fecharam os portões. Quando não tinha portão e era tranqüilo. Você largava a porta aberta. Ninguém fechava a porta da rua. Os vasos, os buxinhos que a gente punha fogo. Nós procurávamos parar o carro, todos de um mesmo lado, aí tinha o FP que parava do outro, trancava tudo. Ele chegava com aqueles carros enormes. Deixava bem no meio. Lembro que o tanque (lavar roupa) da casa dela era menor que o tanque da nossa casa que era um tanque grande e de cimento. *** Naquele tempo era tranqüilo, não tinha esse movimento de agora. muito tranqüilo rua linda, cheia de árvores fulano mora lá do outro lado da linha!!”. ela não é lá daquelas quebradas” entendeu?, mas era um preconceito Não ia pro lado de lá de jeito nenhum o pessoal não era muito bem visto Lá era feio preconceito mesmo não tinha portão e era tranqüilo. Você largava a porta aberta tranqüilo, não tinha esse movimento de agora.